Da forma mais espetacular e deturpadora o possível, bem ao gosto dos interesses de uma força dominante, a mídia hegemônica enfim anunciou o processo de reformulação do regimento interno da Casa do Estudante Universitário (CEU) da UFRGS. A matéria do jornal Zero Hora de 04 de maio de 2011, disponível no endereço http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3297201.xml&template=3898.dwt&edition=17033§ion=1003 , claramente se encarrega de levar ao grande público uma percepção completamente conservadora e alienada do que se passa com os estudantes da UFRGS e moradores da CEU. A matéria tendenciosamente coloca ao leitor que o debate levantado pelos estudantes gira em torno do consumo de bebidas alcoólicas e uso ou não de trajes íntimos nas dependências de uso comum da casa. Conforme Alexandre Haubrich no blog do Jornalismo B, cujo endereço é http://jornalismob.wordpress.com/2011/05/04/zero-hora-contra-os-estudantes-da-ufrgs/, “são três momentos (17 linhas, nos quadros vermelhos) com esse mote, além da linha de apoio ‘Novo regimento proíbe consumo de bebida alcoólica no prédio universitário’, tornando-o o mais importante do texto. Nenhuma palavra sobre as outras reclamações em relação ao novo regimento ou sobre os problemas de estrutura com os quais os moradores têm de conviver”. A própria prática contrapõe-se à matéria de Zero Hora, já que ninguém costuma circular despido e embriagado pelos corredores da CEU, e jamais o motivo para a mobilização dos estudantes foi o consumo ou não de bebidas alcoólicas, embora essa proibição seja completamente descabida, visto que não há no país uma lei seca que proíba as pessoas de beberem, sobretudo dentro de sua própria casa.
Para além de questões meramente morais como as levantadas pelo tabloide da família Sirotsky, o regimento interno proposto pela Secretaria de Assistência Estudantil (SAE) apresenta-se como um documento antidemocrático, pois como se encontra em texto publicado no blog da CEU, cujo endereço é http://ceufrgs.blogspot.com/ , "o item [do regimento] que mais agride os moradores da CEU enquanto cidadãos é o referente à realização de assembléias dentro da casa: 'Art. 13 - As sessões da Assembléia Geral serão sempre presididas e secretariadas pela Direção do DIF e/ou DME'. Ou seja, a convocação de assembléia geral na casa passará a depender da aprovação da DME [Divisão de Moradia Estudantil], e se aprovada será presidida pela DME. Com isso, a universidade retira dos moradores o que lhes é mais valioso: o direito de se reunirem, articular-se autonomamente para reivindicar qualquer direito. Assim, fica clara a completa perda de liberdade e, consequentemente, autonomia (mínima que seja) dos moradores da casa”. Trata-se, como já afirmei em texto anterior aqui no blog, de um completo acúmulo do poder nas mãos da SAE, poder que se faz valer com o aumento de controle e invasão da vida privada dos moradores num delirante panoptismo cotidiano. Dessa forma, a universidade visa, com uma proposta ditatorial de regimento, a completa determinação da vida dos estudantes no local onde eles residem.
A SAE tenta respaldar a sua proposta de regimento interno com o Decreto no 7.234, do governo federal, no entanto trata-se de um falso respaldo, visto que esse Decreto que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES, não “disciplina” a concessão de benéficos aos estudantes, conforme a matéria de Zero Hora, e sim norteia as ações de assistência estudantil a serem oferecidas pela universidade. Diz o Artigo 4º do Decreto 7.234/10 que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES: “As ações de assistência estudantil serão executadas por instituições federais de ensino superior, abrangendo os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, considerando suas especificidades, as áreas estratégicas de ensino, pesquisa e extensão e aquelas que atendam às necessidades identificadas por seu corpo discente”. Percebe-se, portanto, que as ações de assistência estudantil da UFRGS devem atender às necessidades identificadas pelo seu corpo discente, ou seja, caberia a SAE aceitar a proposta de regimento elaborada pelos moradores, pois esta é o documento oficial sobre as necessidades que estes estudantes têm em relação ao funcionamento do lugar onde moram. Desse modo, fica claro o espaço contraditório em que se deposita a proposta elaborada pela secretaria. Os moradores da CEU entendem que para além de um “prédio universitário”, conforme a matéria de Zero Hora, ou um departamento qualquer da universidade, conforme a SAE, a CEU é antes de tudo uma CASA, no sentido colocado pela realidade cotidiana objetiva de todo e qualquer cidadão brasileiro. O fato de a casa compor a estrutura da universidade não dá direito a esta de intervir na vida particular de quem mora naquela, por exemplo, através da regulação de horários e ferrenhas restrições de acesso ao prédio.
Ainda sobre a desinformação proporcionada pelo jornal Zero Hora, parece que Carlos Wagner ateve-se mesmo apenas à comparação do capítulo dos Deveres nas propostas da SAE e dos moradores, e conclui que “na versão deles [moradores], no capítulo dos deveres, não consta a proibição de bebidas alcoólicas e a circulação em trajes íntimos”. Para além desse mote, trago a necessidade de se atentar para o fato de que também existe o capítulo dos Diretos, e basta examinar as propostas, disponíveis no blog da casa cujo endereço é http://ceufrgs.blogspot.com/ , para ver o quão este capítulo fora reduzido na proposta elaborada pela SAE. E ao contrário do que afirma o secretário Edílson Nabarro, jamais existiu uma “cortina de fumaça”, muito menos para esconder uma tentativa dos estudantes de autogestão na casa, isso foi veementemente afirmado pelo estudante Cristian Roni Conrad (28 anos) ao repórter, no entanto não consta sequer uma afirmação que seja do estudante sobre esse ponto na matéria. Além de não dar a devida relevância aos argumentos dos estudantes, Zero Hora tenta colocar o movimento como não transparente, quando na verdade nunca houve camuflagem alguma, os objetivos sempre foram os mais explícitos e para além de quaisquer balelas de cunho moral.
Por Diogo Dubiela
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